Depois de tanto tempo juntos, um susto quase terminou em tragédia. Após uma denúncia anônima, em novembro de 2010, um fiscal do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) apareceu na casa de dona Izaura, em Cajazeiras (PB), lavrou o auto de infração e ameaçou levar o papagaio.
Diante do ultimato, dona Izaura teve uma crise de pressão alta. “Me senti tão mal, tão mal, que até pedi um médico”, contou. Por conta da confusão, o fiscal disse que voltaria em 15 dias para apreender Leozinho.
Ciente de que a retirada do papagaio poderia afetar a saúde de dona Izaura, uma sobrinha procurou um advogado para entrar na Justiça com pedido de tutela antecipada.
Proteção da fauna
O pedido foi atendido pelo juiz de primeiro grau, mas o Ibama recorreu da decisão, alegando que a proteção da fauna brasileira é exigência da Constituição Federal e que o poder público deve adotar medidas para coibir o tráfico de animais silvestres.
Como foi comprovado que o papagaio, em todos os anos de convívio com dona Izaura, havia adquirido hábitos de animal de estimação, estava plenamente adaptado ao ambiente doméstico e não sofria maus-tratos, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5) decidiu que a idosa poderia continuar com ele.
Inconformado, o Ibama recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) alegando que os animais silvestres mantidos em cativeiro irregular deveriam ser apreendidos e devolvidos ao seu habitat ou entregues a jardins zoológicos.
Presente maior
Em decisão monocrática proferida em junho de 2017, o ministro Og Fernandes rejeitou os argumentos do órgão ambiental e manteve a decisão do TRF5. O Ibama recorreu novamente, mas o recurso também foi negado, dessa vez pela Segunda Turma do tribunal.
Ao confirmar a decisão de Og Fernandes, a Segunda Turma assegurou à idosa residente na Paraíba o direito de manter o papagaio em sua posse.
“Fiquei muito satisfeita com a decisão do ministro. Foi um dos maiores presentes que recebi na vida: a permissão para ficar com Leozinho em minha casa para sempre”, afirmou dona Izaura.
Argumentos inoportunos
Para a jurisprudência do STJ, animais silvestres mantidos fora de seu habitat por longo tempo não devem mais ser retirados de seus donos.
Com base nesse entendimento, por unanimidade, o colegiado negou provimento ao agravo interno do Ibama, que questionava a decisão monocrática do relator alegando desvirtuamento da finalidade da legislação ambiental.
De acordo com a autarquia federal, a manutenção do papagaio com a idosa incentivaria a captura e o tráfico de animais no Brasil, por sugerir que o cativeiro de aves é um costume arraigado que merece ser preservado.
Em sua decisão, Og Fernandes rechaçou as alegações do Ibama. Disse que a decisão enfocou exclusivamente o caso concreto – examinado e decidido com base no direito aplicável e na jurisprudência consolidada no STJ.
Segundo o relator, o entendimento contrário à tese do Ibama “não autoriza a conclusão de que os institutos legais protetivos à fauna e à flora tenham sido maculados, tampouco que haja chancela ou mesmo autorização para o cativeiro ilegal de aves silvestres”. Para ele, os argumentos da autarquia são inoportunos e evocam debate alheio ao processo.
Precedentes
Og Fernandes disse que, após mais de 20 anos de convivência, Leozinho está totalmente adaptado ao ambiente doméstico. A finalidade da lei ambiental, acrescentou, é a proteção do animal.
O STJ já confirmou, em diversos precedentes, que a apreensão de qualquer animal não pode seguir exclusivamente a ótica da estrita legalidade – observou o relator.
O acórdão do TRF5, segundo ele, não se afastou desse entendimento quando, “diante da peculiaridade do caso concreto e em atenção ao princípio da razoabilidade”, decidiu que o papagaio deveria permanecer em ambiente doméstico.
O recurso ficou assim ementado:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. APREENSÃO DE ANIMAL. LONGO CONVÍVIO EM AMBIENTE DOMÉSTICO. SÚMULA 7⁄STJ. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. APLICABILIDADE.1. Inviável a análise de infringência aos dispositivos legais tidos por malferidos de forma dissociada dos elementos que o Tribunal a quo, à luz do acervo fático-probatório da causa, considerou como predominantes e preponderantes para a solução da controvérsia, no caso, a longa permanência da ave no convívio doméstico com a autora, a ausência de maus-tratos e o evidente prejuízo ao animal na hipótese de reintegração ao seu habitat natural. Incidência da Súmula 7⁄STJ.2. Esta Corte em diversos precedentes firmou entendimento segundo o qual, em casos como os tais, não se mostra plausível que o direito à apreensão do animal dê-se exclusivamente sobre a ótica da estrita legalidade. Há que se perquirir, como bem ponderaram as instâncias ordinárias, sobre o propósito e finalidade da Lei Ambiental que sabidamente é voltada à melhor proteção do animal. Desse intuito não se afastou o aresto recorrido quando considerou que – diante da peculiaridade do caso concreto e em atenção ao princípio da razoabilidade – deva a ave permanecer no ambiente doméstico do qual jamais se afastou em 15 anos.3. Rechaçadas as afirmações do Ibama relativas à eventual desvirtuamento da finalidade da Lei Ambiental atribuídas a este Relator e, por conseguinte, desta Casa de Justiça. A prestação jurisdicional que se exige volta-se exclusivamente ao caso concreto – esse suficientemente examinado e decidido à luz do direito aplicável e com base em jurisprudência consolidada desta Corte Superior.4. O entendimento contrário a tese do insurgente não autoriza a conclusão de que os institutos legais protetivos à fauna e flora tenham sido maculados, tampouco que haja chancela ou mesmo autorização para o cativeiro ilegal de aves silvestres como aduz o agravante. Tais argumentações, além de digressivas, revelam-se inoportunas pois evocam temas e debate alheio ao presente feito, a não merecer amparo porquanto evidentemente desprovidas de fundamentação concreta.5. Agravo interno a que se nega provimento.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1389418