A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou o recurso de dois empresários que pretendiam afastar sua responsabilidade na insolvência da empresa que administravam. Mesmo entendendo que o tribunal de origem contrariou a jurisprudência do STJ ao considerar objetiva a responsabilidade dos sócios – ou seja, independente de culpa –, a turma manteve a decisão que decretou o arresto e a indisponibilidade de seus bens.
O recurso teve origem em medida cautelar ajuizada pelo Ministério Público de São Paulo (MPSP) para arresto dos bens dos dois sócios, em razão da liquidação extrajudicial decretada pelo Banco Central na empresa de administração de consórcio, projetos de financiamento, seguros e serviços, da qual eram administradores e gerentes.
A liquidação foi amparada na Lei 6.024/1974, pois a empresa possuía um passivo a descoberto de mais de R$ 14 milhões e pendência na entrega de bens, com infringência das normas legais que disciplinam a atividade de consórcio.
Liminar confirmada
Após a decretação da falência, a cautelar foi julgada procedente em primeira instância, confirmando a liminar e estendendo os efeitos do arresto e a indisponibilidade sobre os bens das esposas ou companheiras dos administradores e ainda de suas outras empresas. Eles recorreram ao Tribunal de Justiça de São Paulo, que negou a apelação.
Entre outros pontos, os sócios alegaram, no recurso dirigido ao STJ, que, ao contrário do decidido pelas instâncias ordinárias, a responsabilidade dos administradores de instituições financeiras é subjetiva, porém não tiveram a oportunidade de comprovar a ausência de culpa.
Estabilidade do sistema
O relator, ministro Moura Ribeiro, afirmou que as instituições financeiras exercem papel indispensável ao desenvolvimento econômico do país, e a Lei 6.024/1974 é um instrumento de proteção do sistema contra falhas que possam causar insegurança no mercado.
“A legislação deve ser interpretada tendo em vista o interesse público na estabilidade do sistema, o que, nos termos da doutrina, se coaduna com a existência de dois modelos de responsabilidade: subjetiva e objetiva”, disse.
O ministro ressaltou que o tema da responsabilidade – prevista nos artigos 39 e 40 da lei – não é pacífico na doutrina. Contudo, lembrou que ambas as turmas de direito privado do STJ pacificaram o entendimento de que a responsabilidade dos administradores de instituições financeiras é subjetiva; por isso, é preciso analisar a culpa e “o liame de causalidade em face do prejuízo verificado na instituição liquidada e depois falida”.
Culpa reconhecida
Moura Ribeiro observou que, embora as instâncias de origem tenham declarado a responsabilidade objetiva dos administradores da sociedade, a leitura da sentença permite concluir que os elementos subjetivos que deram ensejo à sua responsabilização foram analisados.
Segundo o ministro, a culpa de ambos foi comprovada, pois a empresa teve sua liquidação decretada em razão de várias irregularidades apontadas em inquérito administrativo instaurado pelo Banco Central.
Além disso, as instâncias ordinárias constataram que, quando a instituição já estava em processo de falência, e respondia por uma dívida de mais de R$ 14 milhões, as outras empresas dos mesmos sócios possuíam bens que estavam sendo transferidos de forma não convencional. Destacaram ainda o fato de que as esposas ou companheiras dos dois sócios tinham patrimônio incompatível com suas atividades econômicas e teriam se beneficiado do consórcio liquidado.
Por verificar que os empresários “concorreram para a decretação da liquidação extrajudicial e posterior falência da sociedade”, Moura Ribeiro votou pelo não provimento do recurso, no que foi acompanhado de forma unânime pela Terceira Turma.
O recurso ficou assim ementado:
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL.RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO CPC/73. MEDIDA CAUTELAR DE ARRESTO. RECURSOS ESPECIAIS ISOLADOS.RECURSO DE JANE. OFENSA A COISA JULGADA E NÃO INDISPONIBILIDADE DOS BENS PORQUE NÃO EXERCEU FUNÇÃO DE ADMINISTRADORA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA Nº 211 DO STJ. DISSIDIO JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADO. RECURSO NÃO CONHECIDO.RECURSO DE DOMINGOS, JOÃO E CLARICE.RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DOS ADMINISTRADORES DE CONSÓRCIO.PRECEDENTESDESTACORTE. DESNECESSIDADE, CONTUDO, DE ANULAÇÃO DO PROCESSO. INSTÂNCIAS DE ORIGEM QUE DEMONSTRARAM A CULPA DOS ADMINISTRADORES. MEDIDA CAUTELAR. DEMANDA PRINCIPAL AJUIZADA DENTRO DO PRAZO LEGAL. MUDANÇA DE ENTENDIMENTO QUE CARECE DE ANÁLISE DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 7 DESTA CORTE. CERCEAMENTO DE DEFESA PELO JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE SEM REALIZAÇÃO DE PROVA PERICIAL. TEMA QUE NÃO FOI OBJETO DO RECURSO DE APELAÇÃO. INOVAÇÃO RECURSAL. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE DA CONTROVÉRSIA. OFENSA A COISA JULGADA. ILEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS Nº 211 DO STJ E 282 E 356, AMBAS DO STF. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. AFASTAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 7 DESTA CORTE. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADO. RECURSO CONHECIDO EM PARTE E NELA NÃO PROVIDO.RECURSO DE VILLARANDORFATO E LAGO DO MIMOSO.AFASTAMENTO DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. MUDANÇA DE ENTENDIMENTO QUE ESBARRA NA ANÁLISE DOS FATOS E PROVAS DOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 7 DESTA CORTE. RECURSO NÃO CONHECIDO.
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Inaplicabilidade do NCPC neste julgamento ante os termos do Enunciado Administrativo nº 2, aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016:Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.
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Incidem os enunciados das Súmulas nºs 211 do STJ e 282 e 356, ambas do STF quando a matéria suscitada no recurso especial não foi objeto de pronunciamento pelo Tribunal de origem. Ausência de prequestionamento. Precedentes.
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Não se conhece de recurso especial interposto pela divergência quando esta não esteja comprovada nos moldes dos arts. 541, parágrafo único, do CPC/73, e 255, parágrafos 1º e 2º, do RISTJ.
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Nos termos dos arts. 39 e 40, ambos da Lei nº 6.024/74, a responsabilidade dos administradores e ex-administradores pelos prejuízos causados à instituição financeira é subjetiva, baseada, portanto, na culpa, seja ela real ou presumida. Precedentes.
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Caso concreto em que apesar de ter sido reconhecida indevidamente a responsabilidade objetiva pelas instâncias de origem, se conclui, pela leitura da sentença, que os ex-administradores DOMINGOS e JOÃO concorreram para a decretação da liquidação extrajudicial e posterior falência da sociedade Andorfato Assessoria Financeira Ltda. Culpabilidades deles comprovada e reconhecida.
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Para modificar o entendimento do Tribunal de origem sobre a tempestividade da propositura da ação principal, a caracterização da litigância de má-fé, e o preenchimento dos requisitos autorizadores da desconsideração da personalidade jurídica seria necessário o revolvimento do arcabouço fático-probatório carreado aos autos, procedimento sabidamente inviável nesta instância recursal em razão da incidência da Súmula nº 7 desta Corte. Precedentes.
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Como a matéria atinente ao cerceamento de defesa pelo julgamento antecipado da lide, sem a possibilidade de realização da prova pericial que demonstraria a divergência de valores constantes do levantamento efetuado pelo Banco Central, não foi objeto das razões da apelação interposta, somente sendo levantada no presente recurso especial, não pode ser ela analisada ante a inequívoca inovação recursal. Precedentes.
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Recursos especiais de JANE e de VILLARANDORFATO e LAGO não conhecidos. Recurso especial de DOMINGOS, JOÃO e CLARICE, conhecido em parte e nela não provido.
Leia o acórdão.